CURSO SUPERA PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE DEPENDENCIA QUIMICA

26/08/2015 09:45

Introdução do módulo A história da presença das bebidas alcoólicas e de outras substâncias psicoativas na cultura brasileira envolve tanto os aspectos culturais da população nativa como os de nossos colonizadores. A compreensão dessa história é de extrema importância para que se entenda a origem de estigmas moralistas e outras ideias equivocadas relacionadas à utilização do álcool e outras drogas. Isto é fundamental para que ações adequadas de prevenção, detecção precoce, intervenções breves e tratamento dos usuários sejam implementadas. Para embasar esta reflexão você terá, neste módulo, um capítulo sobre os fundamentos dos Direitos Humanos, do reconhecimento dos sujeitos e sua relação com a democracia e a cidadania. Você verá que nas diferentes fases da vida, bem como em distintos grupos populacionais, encontramos fatores que podem aumentar o risco de desenvolvimento de problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas. Você aprenderá a reconhecer a influência dos diferentes fatores, um aspecto fundamental para desenvolver melhores estratégias para a mudança de hábitos de consumo. Não menos importante, é o conhecimento dos estudos epidemiológicos realizados nesta área. Apenas por meio de dados estatísticos populacionais confiáveis, pode-se avaliar o uso de drogas em uma determinada população e planejar a implantação de políticas públicas adequadas. Todo profissional que trabalhe junto a usuários ou na área de políticas públicas, precisa conhecer profundamente a Política e a Legislação Brasileira sobre Drogas, a Política Nacional de Saúde Mental e a Organização da Rede de Atenção Psicossocial no Sistema Único de Saúde – SUS. Esta visão ampla do problema é fundamental para o entendimento do contexto no qual se desenvolvem os problemas associados ao uso de drogas – o primeiro passo nesta jornada de conhecimento e reflexão.

Objetivos de ensino Ao final do módulo, você será capaz de: 9 Reconhecer os fatores culturais que interferem no consumo de álcool e outras drogas no Brasil; 9 Enumerar, em linhas gerais, os dados existentes sobre prevalência do uso, abuso e dependência das drogas mais utilizadas no país entre os diferentes grupos populacionais e regiões; 9 Identificar as principais fontes de dados e os meios de obtê-los, para o diagnóstico do uso de drogas na região em que vivem; 9 Enumerar os princípios básicos da Política Nacional sobre Drogas (PNAD); 9 Caracterizar as principais dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde na detecção de transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas e na implantação de intervenções; 9 Reconhecer a necessidade de atendimento dos usuários de substâncias psicoativas em serviços não especializados como um meio de desestigmatização. Capítulos 1. A presença das bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas na cultura brasileira 2. A estigmatização associada ao uso de substâncias como obstáculo à detecção, prevenção e tratamento 3. Direitos Humanos: uma nova cultura para a atuação em contextos de uso abusivo de drogas 4. Fatores de risco e proteção em diferentes grupos de usuários: mulheres, adolescentes, idosos e indígenas 5. Epidemiologia do uso de substâncias psicoativas no Brasil: peculiaridades regionais e populações específicas 6. A política e a legislação brasileira sobre drogas 7. A Política Nacional de Saúde Mental e a Organização da Rede de Atenção Psicossocial no Sistema Único de Saúde – SUS

O uso de substâncias psicoativas no Brasil

Capítulo 1

 
 
A presença das bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas na cultura brasileira
 
Tópicos 9 
 
A história do álcool 9 Embriaguez e alcoolismo 9 Outras drogas como maconha, inalantes e crack/cocaína 9 O uso de drogas na forma de automedicação 9 Atividades 9 Bibliografia

A presença das bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas na cultura brasileira

 

A história do álcool

Em primeiro lugar, você vai ficar sabendo como começou o uso das substâncias psicoativas em nosso país. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, no início da colonização, descobriram o costume indígena de produzir e beber uma bebida forte, fermentada a partir da mandioca, denominada cauim. Ela era utilizada em rituais, em festas, portanto, dentro de uma pauta cultural bem definida. Os índios usavam também o tabaco, que era desconhecido dos portugueses e de outros europeus. No entanto, os portugueses conheciam o vinho e a cerveja e, logo mais, aprenderiam a fazer a cachaça, coisa que não foi difícil, pois para fazer o açúcar a partir da cana-de-açúcar, no processo de fabricação do mosto (caldo em processo de fermentação), acabaram descobrindo um melaço que colocavam no cocho para animais e escravos, denominado de “Cagaça”, que depois veio a ser cachaça, destilada em alambique de barro e, muito mais tarde, de cobre. A cachaça é conhecida de muito tempo, desde os primeiros momentos em que se começava a fazer do Brasil o Brasil. O açúcar para adoçar a boca dos europeus, como disse o antropólogo Darcy Ribeiro, da amargura da escravidão; a cachaça para alterar a consciência, para calar as dores do corpo e da alma, para açoitar espíritos em festas, para atiçar coragem em covardes e para aplacar traições e ilusões. Para tudo, na alegria e na tristeza, o brasileiro justifica o uso do álcool, da branquinha à amarelinha, do escuro ao claro do vinho, sempre com diminutivos. Qual é o lugar do álcool e das outras drogas em nossa cultura? Veja no quadro abaixo o que dizem a respeito desse assunto dois importantes pensadores da cultura ocidental: “Parece improvável que a humanidade em geral seja algum dia capaz de dispensar os “paraísos artificiais”, isto é,... a busca de autotranscendência através das drogas ou... umas férias químicas de si mesmo... A maioria dos homens e mulheres levam vidas tão dolorosas - ou tão monótonas, pobres e limitadas, que a tentação de transcender a si mesmo, ainda que por alguns momentos, é e sempre foi um dos principais apetites da alma.” (Aldous Huxley, escritor inglês)
 

A presença das bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas na cultura brasileira

 
“Porque os homens são mortais e não podem se habituar a essa ideia, o néctar e a ambrosia são fantasmas encontrados em todas as civilizações. Plantas mágicas, bebidas divinas, alimentos celestiais que conferem imortalidade, as invenções são múltiplas e todas, na falta de sucessos práticos, expressam e traem o terror diante da inevitável necessidade.” (Michel Onfray, filósofo francês) Não depende sempre da vontade o desejo de beber, pelo menos em muitos casos. Antes, é uma imposição; um estranho e imperioso chamado como a suavidade do canto de sereia que encanta, enfeitiça e enlouquece. Mas nada é tão simples assim, a bebida está bem entranhada na cultura brasileira. O ato de beber faz parte da nossa maneira de ser social. Sendo assim: 9 Cada povo, cada grupo social, cada pessoa tem a sua condição de responder a determinados estímulos produzidos em seu meio, ou externos a ele. Em outros termos, podemos dizer que temos uma pauta cultural em que as coisas são normalmente dispostas. Por exemplo, o licor na festa de São João, o vinho no Natal, a cerveja no carnaval e assim por diante, não que sejam exclusivos, mas os mais representativos de cada uma dessas festas. 9 A cachaça é uma bebida forte e íntima da população. Tem baixo custo e, com pouco dinheiro, pode-se beber o suficiente para perturbar a si e aos demais que estiverem à sua volta. 9 É a forma social e individual de beber que está em jogo, quando se fala em consumo de álcool, já que há uma larga disposição social para consumi-lo na forma das mais diversas bebidas - destiladas ou fermentadas, fortes ou fracas. É necessário considerar o álcool no conjunto da vida social e não só em si mesmo, como muita gente o faz, ou seja, considera o álcool um agente autônomo e o culpa por suas consequências, como se fosse um ser animado que agisse por conta própria. No sentido oposto, é preciso ver a disposição social para o consumo de drogas e se perguntar: por que as pessoas procuram as drogas? Por que as pessoas bebem? E também perguntar: se usam drogas, e dentre elas o álcool, por que as consomem desta ou daquela maneira? Moderada ou abusivamente?
 
A presença das bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas na cultura brasileira
 
Por que será que sob o efeito da mesma quantidade de álcool algumas pessoas ficam alegres, outras ficam agressivas ou mesmo violentas? Por que será que um derivado de opioide como a meperidina, por exemplo, para algumas pessoas é apenas um analgésico potente e para outras, além desse efeito, é uma fonte de prazer a ser buscada de forma repetida? E ainda: por que uma mesma pessoa sente de maneira diferente os efeitos de uma mesma droga, em diferentes circunstâncias e contextos? O que se pode concluir daí, e que tem sido apontado por estudiosos do assunto, é que os efeitos de uma droga dependem de três elementos: 1. Suas propriedades farmacológicas (estimulantes, depressoras ou perturbadoras); 2. A pessoa que a usa, suas condições físicas e psíquicas, inclusive suas expectativas; 3. O ambiente e o contexto de uso dessa droga, tais como as companhias, o lugar de uso e o que representa esse uso socialmente. Olhando com cuidado, entretanto, os três elementos acima convergem para um deles, apenas: o usuário. O mesmo ambiente e o mesmo contexto influenciam diferentemente as pessoas. O mesmo ocorre em relação às propriedades farmacológicas das drogas, uma vez que a expressão dos seus efeitos depende da capacidade de metabolização daquela droga por cada usuário e mesmo de suas condições psíquicas e mentais no momento do uso.
 
 
Embriaguez e Alcoolismo “O alcoolismo é uma noção que apareceu pouco tempo após as circunstâncias que ele caracterizou, contemporâneo dos anos seguintes à industrialização, um desejo desesperado de responder a condições de vida deploráveis”. O filósofo fala da bebida com respeito e simpatia, como acontece com muita gente, mas acrescenta: “a embriaguez do alcoolista supõe um homem tornado objeto, incapaz, a partir de então, de se abster de bebidas perturbadoras. Muitas vezes sua dependência está relacionada a uma incapacidade de encontrar em si próprio o que permitiria um domínio, uma resistência às dores do mundo.” (Michel Onfray, filósofo francês) Quando uma pessoa perde o controle sobre a ação de beber ela se torna objeto da bebida, que perturba a consciência para além do domínio que a pessoa tem de si mesma. Eis a embriaguez em sua forma mais simples, uma leitura sem preconceitos, mas ao mesmo tempo carregada com tintas muito fortes, porque nem todos os que bebem são dominados pela bebida. Entretanto, quando o álcool não é utilizado para aumentar a espirituosidade, mas para incentivar, encorajar ou consolar amargura, ele se torna um poderoso fator de desorganização do sujeito como ser social, isto é, para além de si como indivíduo e de suas relações com os outros, com os íntimos e com os de cerimônia. Quando advém a embriaguez e, com a frequência do uso, o alcoolismo, toda a magia da bebida é substituída pela perversidade da forma como ela é consumida. Às vezes, duas palavras parecem significar a mesma coisa, entretanto vistas de perto são bem diferentes. Esse é o caso das palavras “alcoólatra” e “alcoolista”: É muito importante recordar que normalmente as pessoas se tornam conhecidas pelo que fazem, ou seja, pela profissão que exercem. Se você trabalha, é um trabalhador ou uma trabalhadora; se você só estuda, é um estudante ou uma estudante, e assim por diante. Uma pessoa que bebe com alguma frequência é um bebedor ou uma bebedora, mas sabemos que esses termos não são muito frequentes, e em seu lugar vem a denominação bêbado ou bêbada.
 
Alcoólatra O termo alcoólatra confere uma identidade e impõe um estigma, que anula todas as outras identidades do sujeito, tornando-o tão somente aquilo que ele faz e que é socialmente condenado, não por fazê-lo, mas pelo modo como o faz. Em outros termos, não é a bebida em si, mas aquela pessoa que bebe mal, isto é, de modo abusivo, desregrado, que a leva à condição de ser socialmente identificada popularmente como “alcoólatra”, ou seja, quem “idolatra”, “adora” e se tornou dependente do álcool. Alcoolista Esse termo foi proposto por alguns pesquisadores como uma alternativa menos carregada de valoração, isto é, de estigma. Segundo eles, o termo não reduziria a pessoa a uma condição, como a de alcoólatra, mas a identificaria como uma pessoa que tem como característica uma afinidade com alguma coisa, com alguma ideia. Por exemplo, uma pessoa que torce no futebol pelo time Flamengo é flamenguista; é uma característica, mas não reduz o indivíduo a ela, como uma identidade única e dominante. Eis o porquê segundo estes autores ser preferível designar uma pessoa como alcoolista e saber que ela é, ao mesmo tempo, muitas outras coisas, inclusive alguém que pode deixar de ser dependente de álcool. Isso ajudaria essa pessoa a não ser estigmatizada, reduzida a uma única condição. Apesar dessa argumentação, em português, os termos “alcoólatra” e “alcoolista” continuam sendo usados, quase que indistintamente, por diferentes autores, mas sempre equivalendo a “dependente de álcool”. Esta seria na realidade a expressão mais adequada cientificamente. O termo “alcoólico” não é muito adequado, pois na língua portuguesa significa “o que contém álcool”, mas muitas vezes é empregado devido à semelhança com a palavra inglesa “alcoholic”, que além de ter esse mesmo significado é também usada para referir-se a quem é dependente de álcool. É muito importante, portanto, o cuidado com as palavras, com os termos que usamos para classificar coisas e pessoas, porque essas palavras e termos têm poder de conferir identidade e, assim, estigmatizar publicamente, reduzir uma pessoa a uma única condição, apagando, negando todas as demais, o que tem entre suas consequências a internalização desse lugar social, vindo a pessoa a constituir, por si mesma, um obstáculo ao desenvolvimento de um outro percurso, socialmente valorizado.
 
 

É aceitável que um profissional de saúde não tenha respostas para determinadas demandas que se apresentam. Entretanto, contribuir para piorar ainda mais a situação dos que o procuram é tudo o que não deve acontecer. Um “bêbado” ou uma “bêbada” deixa de ser tantas outras coisas, como por exemplo, pai ou mãe, trabalhador ou trabalhadora, para ser tão somente bêbado ou bêbada. Como as pessoas vivem em sociedade, o reconhecimento é fundamental para a identidade e esta é fundamental para o reconhecimento social. Como você bem percebe, vivemos imersos em notícias e propagandas, algumas delas bonitas e até engraçadas, entretanto é preciso estar atento para avaliá-las criticamente. Em relação às substâncias psicoativas, qual será mesmo o papel da mídia? Como já dissemos cachaça, fumo e maconha estão na origem da civilização brasileira. Hoje, as bebidas são produzidas por grandes empresas e anunciadas vivamente pelos meios de comunicação, em sofisticadas propagandas comerciais, em todos os lugares e em quase todos os horários. As cervejarias, por exemplo, gostam de explorar a imagem da mulher, valendo mais o apelo sexual do que qualquer outra dimensão humana. A todo o momento, pela via das propagandas comerciais, somos convidados a beber e as propagandas nos dizem que seremos melhores, teremos mais sorte e ficaremos mais fortes e alegres e, sobretudo, ficaremos mais espertos, chegaremos na frente, se bebermos esta ou aquela marca, este ou aquele tipo de bebida, que pode ser a cerveja, o vinho, o uísque ou a cachaça, dentre outras tantas à disposição dos gostos e da capacidade aquisitiva dos consumidores. No livro Rodas de Fumo1 , os autores chamam a atenção para o papel exercido pela imprensa a partir de meados dos anos 50, enfatizando a característica de “desordeiras” e de “desvio de caráter” atribuída às pessoas que usavam maconha. Nesse particular, o papel exercido pela mídia foi mais intenso do que as revelações das pesquisas científicas da época. Isso foi em grande parte responsável pela maneira como as novas gerações foram instruídas sobre esse assunto.As propagandas vão se adequando aos valores do momento e mesmo forçando a introdução de novos valores à medida que ampliam o mercado entre diferentes segmentos populacionais. Foi assim com a introdução, há não muito tempo, de motivos infantis, tais como lebre, tartaruga e siris nas propagandas de bebidas alcoólicas, em um claro apelo dirigido às pessoas nessa faixa de idade. Outro assunto também importante relacionado ao consumo de bebidas alcoólicas é o uso de energéticos. Trata-se de produtos cujo princípio ativo é a cafeína. Por serem psicoestimulantes os energéticos equilibram o efeito depressor do álcool sobre o sistema nervoso central, possibilitando que o indivíduo beba mais e demore mais para perceber os sintomas da embriaguez. Outras drogas como maconha, inalantes e crack/cocaína Maconha O uso de maconha com propósitos medicinais data de 2.700 a.C. Largamente utilizada na Europa com esse propósito, durante os séculos XVIII e XIX, ela foi introduzida no Brasil pelos escravos africanos e difundida também entre os indígenas, sendo no início usada com propósitos medicinais e nas atividades recreativas, como a pesca, e nas rodas de conversa, nos finais de tarde. Nos Estados Unidos, ela já era conhecida pelos índios quando os mexicanos a levaram para aquele país. No Brasil, no final do primeiro quarto do século XX, segundo descrição de Pernambuco-Filho & Botelho, distinguiam-se duas classes de “vícios”: os “vícios elegantes”, que eram o da morfina, da heroína e da cocaína, consumidos pelas elites (brancas, em sua maioria) e os “vícios deselegantes”, destacando-se o alcoolismo e o maconhismo, próprios das camadas pobres, em geral, formadas por negros e seus descendentes. Segundo esses mesmos autores, não tardou para que o produto (a maconha) trazido da África viesse a “escravizar a raça opressora”. Essas afirmações mostram, além da origem da maconha no país, que, já naquela época, ocorria a difusão do seu consumo por todas as classes sociais. 

Esse é um fato incontestável diante da realidade nacional, entretanto permanece no imaginário social a associação “pobre - preto - maconheiro - marginal - bandido”, traduzida nas ações policiais dirigidas às pessoas autuadas pelo porte de maconha, que na periferia das grandes cidades são muito mais severas do que nas áreas mais ricas e socioeconomicamente mais favorecidas. Inalantes Visto de perto, o uso de drogas preenche expectativas e necessidades de um dado momento na cultura, economia e condições sociais da vida de um povo. Nas décadas de oitenta e noventa do século passado, vários estudos apontavam para um maior uso de inalantes entre crianças e adolescentes de minorias étnicas e socialmente menos favorecidas. Dados brasileiros sobre o consumo dessas substâncias em crianças de rua da cidade de São Paulo indicavam que, das 42 entrevistadas, 38 (90,5%) haviam feito uso na vida e no mês. Mais adiante neste mesmo módulo você verá que o uso dessas substâncias entre meninos em situação de rua era mais prevalente do que entre estudantes e entre a população em geral. Veja agora o quadro de efeitos dos inalantes e as condições de vida dos meninos em situação de rua, e conclua por você mesmo o lugar dessas drogas em suas vidas: Efeitos dos inalantes: 9 Redução da sensação de fome e de frio; 9 Redução da sensação de dor; 9 Produção de sensações agradáveis, inclusive alucinações. Condições de vida dos meninos em situação de rua: 9 Fome, frio, desamparo decorrente da vida nas ruas; 9 Dor física e sofrimento psíquico decorrentes dos maustratos e de várias formas de violência; 9 Privação social, inclusive de parte da própria família
 
 
 
Está ao seu alcance, os meios de sobreviver às adversidades. Cocaína e Crack Levantamentos epidemiológicos (dados diretos) e indicadores epidemiológicos (dados indiretos), conforme você verá em detalhes mais adiante, têm evidenciado um aumento considerável das apreensões de cocaína, no Brasil, a partir dos anos oitenta do século passado. Em paralelo, houve um aumento do consumo e com isso a cocaína tomou o lugar dos medicamentos como o dextropropoxifeno (Algafan®) e derivados anfetamínicos (“bolinhas”; “arrebites”) na preferência dos usuários desse tipo de substâncias estimulantes. Veja a seguir outros aspectos culturais relacionados ao uso da cocaína, além do lugar que ocupa, como um produto proibido: 9 A cocaína já foi comercializada livremente pelo laboratório Bayer, no passado, e enaltecida por suas qualidades medicinais. O Manual MERCK, um livro muito utilizado na área de saúde, em sua primeira edição no último quarto do século XIX, trazia a indicação de cocaína com a dosagem a ser utilizada para situações de cansaço e desânimo. 9 A folha de coca tem sido usada milenarmente pelos povos andinos para reduzir a fadiga e o cansaço das longas jornadas de trabalho. 9 Em nossa cultura, algumas pessoas fazem uso de cocaína para se manterem acordadas e atentas por mais tempo que o habitualmente suportável. Um estudo entre adolescentes que procuraram tratamento, na cidade de São Paulo, encontrou como principal motivo do uso de cocaína (64,7%) o “alívio do desânimo”. O crack, uma forma de cocaína de uso relativamente recente em nosso país, teve os primeiros registros científicos de seu consumo no início dos anos noventa, portanto há pouco mais de 20 anos. Ela não é uma droga diferente da cocaína, mas a própria cocaína preparada para consumo por via inalatória (fumada). A rapidez e intensidade de seus efeitos, que se devem à intensa 

 

absorção da cocaína existente na fumaça no nível dos pulmões, são fatores que favorecem a dependência dessa droga. Você sabe por que o consumo de crack tem se expandido tanto em nosso meio? Veja as razões para isso: 9 Efeito rápido e intenso; 9 Menor custo, em relação ao pó de cocaína, adequando-se ao perfil de baixa renda da maioria de seus consumidores; 9 Fácil utilização, dispensando a necessidade do uso de seringas; 9 A forma como é consumido (fumado), algumas vezes misturado ao tabaco e à maconha (pistilo, mesclado), chama menos a atenção e é mais aceitável socialmente do que o uso de drogas injetáveis; 9 Constitui uma alternativa ao uso de drogas injetáveis, em virtude dos riscos associados à infecção por HIV e hepatites. E o Oxi? Você se lembra do Oxi? Pois é! Apesar de tão recente, estampado na mídia impressa e televisiva como a “nova droga da morte”, já não se fala mais dele. Em um primeiro momento o oxi (também chamado de oxidado) foi encontrado no Acre, se disseminando por outras regiões do país. Inicialmente o oxi foi classificado como diferente do crack por ao invés de conter o bicarbonato de sódio ou amônia conteria óxido de cálcio, querosene ou gasolina, sendo mais impuro. Entretanto, após análises químicas de amostras de oxi apreendidas pela Polícia Federal e Civil não foram encontradas quantidades significantes de óxido de cálcio, gasolina ou querosene. Concluiu-se portanto que o oxi não é uma droga nova, mas sim uma variação da conhecida cocaína. Isto pois a grande parte das amostras analisadas foram classificadas como pasta base de cocaína (produto mais “cru” e bruto, que pode ser fumado) ou cocaína base (uma versão da pasta base de cocaína tratada para se retirar algumas impurezas, portanto mais cara para o usuário). Como, se o princípio ativo é o mesmo, a cocaína? O terreno do uso de drogas é muito fértil para ideologias e informações equivocadas. É preciso privilegiar as informações cientificamente documentadas, pois a demonização do uso de drogas leva consigo os seus usuários, aumentando o estigma e a exclusão social dessas pessoas (Tarcisio Andrade, 2011).

Esteroides anabolizantes 

A crescente valorização do corpo nas sociedades de consumo pós-industriais – refletida nos meios de comunicação de massa, que expõem como modelo de corpo ideal e de masculinidade um corpo inflado de músculos – tem possivelmente contribuído para que um número crescente de jovens envolva-se com o uso de esteroides anabolizantes, na intenção de rapidamente desenvolver massa muscular. Quais são as principais motivações evidenciadas pelas pesquisas para o consumo de anabolizantes em nosso país? Confira no quadro a seguir os dados de uma pesquisa em Salvador (Iriart & Andrade, 2002; Iriart, Chaves & Orleans, 2009). Estudos conduzidos na cidade de Salvador apontaram que o uso de esteroides anabolizantes está bastante associado à motivação estética. Em muitas situações há uma insatisfação com o corpo, especialmente quando em comparação ao apontado pela mídia como “corpo ideal”, motivando ou incrementando o consumo pelos jovens. Por medo da rejeição social e na busca do ideal ostentado pelos meios de comunicação, muitas pessoas buscam no consumo de esteroides anabolizantes uma forma de atingir rapidamente resultados na mudança corporal. Em contrapartida, ainda existe falta de informação entre jovens praticantes de musculação sobre os prejuízos à saúde associados ao consumo de esteroides anabolizantes. Por outro lado, entre alguns, a busca pelo “corpo ideal” acaba se sobrepondo à percepção dos riscos presentes no consumo da substância

O uso de drogas na forma de automedicação 

Essa é outra marca da nossa cultura. É bastante comum que o uso de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, se constitua, em parte, em uma forma de automedicação ou prescrição informal, o que é tão bem exemplificado pela existência das farmácias domésticas e pelo frequente uso de medicações por indicação de familiares, vizinhos e amigos. Essa situação é favorecida, entre outras razões, pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde, por uma parcela expressiva de nossa população. Outro fator importante que contribui para a automedicação é a falta de modelos saudáveis de identificação, ou seja, de famílias, escolas e outras instituições que sirvam de exemplos a serem seguidos. Essa falta de suportes identificatórios propicia uma alquimia própria guiada pela busca do autocontrole das sensações, na tentativa de resolver sozinho os próprios problemas, inclusive as angústias existenciais. Desse modo, alguns bebem para relaxar e, se começam a ficar “de porre”, “cheiram” (cocaína) e/ou usam “energéticos” para “levantar a moral” e, ao final da jornada, por não conseguirem conciliar o sono, fazem uso de um tranquilizante. Trata-se de uma busca de autocontrole das sensações às custas de um conhecimento farmacológico, absolutamente informal, e por isso, mais exposto a riscos, inclusive de morte, como não raro ocorre na situação de uso de múltiplas drogas, como no caso acima, no qual as quatro drogas mencionadas têm efeito sobre o funcionamento cardíaco. Esse controle de si, e por si mesmo, associado ao controle social existente no pequeno grupo, na comunidade, na sociedade como um todo, tem sido desconsiderado pelas políticas públicas, sobretudo por aquelas pautadas na repressão, centralizadas na droga e que reduzem a pessoa que usa droga ao produto que consome.